SAUDADES

Ontem sonhei que voltava a dançar... a calçar as pontas e a dançar... e foi tão bom que de repente apeteceu-me voltar aos tempos em que saía do liceu já com o fato de ballet vestido por baixo da roupa e corria até ao outro lado da cidade para ter a tão esperada aula. E era assim à 2ª, à 4ª e à 6ª e eu nunca me cansava, mesmo que às vezes os pés estivessem tão magoados que já não havia protecções que conseguissem evitar que sangrassem. Mas naquela hora e meia nada mais interessava: as zangas com o namorado, o stress dos testes e as discussões com os pais perdiam-se na música e nos gestos. Tenho tido muitas saudades desse tempo em que as preocupações eram quase nenhumas e as decisões mais difíceis, mesmo que muito contestadas na altura, eram tomadas por alguém que não eu. Tenho saudades da sensação de liberdade que tinha...

Hoje as corridas são outras, mais duras e mais pesadas. O cansaço já não é só fisico é emocional também e as responsabilidades diárias que tenho não se compadecem com o desgaste que me corrompe a alma. Esse lugar mágico de encontro com nós próprios anda perdido e exausto de tanto lutar, de tanto acreditar, de tanto querer ser melhor pessoa, melhor mãe, melhor amiga, melhor filha... há momentos em que me apetece passar para o outro lado da barricada e ser tão sacana quanto têm sido com a minha pessoa. E travo esta luta comigo mesma todos os dias e cada vez me sinto mais longe de mim. Já não sei quem sou e quando me voltar a encontrar, não sei se me vou reconhecer... não sei se vou gostar do que ficou.